terça-feira, 21 de junho de 2011

ARTIGO - EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL - ELISANE FANK - 2010

ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL E A EDUCAÇÃO INTEGRAL: ALGUMAS
REFLEXÕES DE CONTEXTO E DE CONCEPÇÃO
Elisane Fank1
Resumo
Este artigo expressa uma análise histórica e pedagógica que configura as políticas em educação em tempo integral. É necessário destacar que o estudo expressa as bases conceituais e pesquisas de diversos autores e a empiria de alguns municípios e suas políticas sobre o tema em questão. Acerca da concepção, este estudo tem o objetivo de refletir não somente a dimensão política da escola integral, mas sua convergência sobre a
organização curricular que concebe a escola integral na perspectiva da educação integral.
Neste sentido, a integralidade se converte na base conceitual e pedagógica que define o currículo numa perspectiva de educação de bases societárias. Esta base marca a história da educação integral, que ao se consubstanciar na ampliação da jornada de estudos não pode secundarizar o papel do estado no provimento de políticas que possibilitem as condições concretas para a ampliação do tempo e do espaço escolar, bem como da própria escola e do conhecimento na definição de um projeto pedagógico que se configure no currículo integrado. Isto pressupõe ir para além de políticas assistenciais e compensatórias que prevêem atividades fragmentadas que dualizam o tempo e o espaço escolar.
Palavras chaves: Educação integral. Escola em tempo integral. Políticas assistencialistas. Contraturno. Currículo integrado.

INTRODUÇÃO

A proposta de implementação de escola em tempo integral esteve e tem estado nos planos de governo de quase todos os candidatos, seja na política majoritária ou não. Ocorre que, ao se tomar as falas dos vários candidatos, uma carga de assistencialismo acompanha os motivos pelos quais se defende a ampliação da jornada de estudos dos nossos alunos da escola pública. Isto significa que ao se conceber a escola em tempo
integral, como bandeira que figura os discursos políticos, parte dos argumentos redundam em privações econômicas e sociais voltadas a “tirar os jovens e crianças das ruas”. É certo que a própria história da escola integral acusa este caráter compensatório; contudo, se tomarmos na sua gênese, a análise possível de ser feita é de um conteúdo essencialmente político e pedagógico que denota, para além da concepção da escola em
tempo integral, uma concepção de educação integral.
Uma vez tendo clara a idéia de que a escola em tempo integral não se expressa na compensação das contradições e dos males sociais, alguns questionamentos ainda se impõem ante à necessidade de situar a que escola integral estamos nos referindo: afinal, a educação integral implica na educação em tempo integral? Seria possível termos uma escola em tempo integral sem uma concepção de educação integral? Em que medida uma escola de tempo integral pode ir para além do contraturno, no que um e outro diferem? É possível conceber a educação integral sem a ampliação da carga horária? Existe diferença entre escola em tempo integral e aluno em tempo integral? Qual a compreensão se tem do papel da integração curricular? Quais as expectativas de pais e professores acerca do papel da escola em tempo integral? Enfim, qual o papel da comunidade e das políticas públicas? Em que medida também podemos dizer que a proposta do governo federal intitulada “Mais Educação” se caracteriza numa concepção de educação integral, de
escola em tempo integral ou pode incorrer em mais uma política de contraturno? Neste sentido, e para refletir estes questionamentos, este estudo tem por objetivo possibilitar uma análise sobre alguns fundamentos históricos que caracterizam esta concepção de educação integral. Isto significa dizer que, antes de falar sobre a ampliação da jornada ou do tempo de estada na escola, é preciso se conceber os fundamentos conceituais e epistemológicos que denotam a diferença entre escola e educação integral.
Este artigo se justifica, então, pelo fato de que as políticas, em geral, têm se definido pelas possibilidades estruturais de implementação ou mesmo para atender uma demanda de deputados, prefeitos, bem como até a própria campanha eleitoreira, cuja expectativa se converterá em bandeiras políticas. No entanto, se fosse possível imaginar as condições estruturais pensadas para sua efetivação, antes de apenas ampliar a jornada, caberia aos propositores, juntamente com a escola e a comunidade que a concebe, planejar um projeto pedagógico numa concepção de integralidade. Isto perpassa o currículo e a gestão. Significa dizer que antes de se pensar na estrutura física, ou seja, no prédio escolar, é necessário se conceber o projeto pedagógico.
Neste sentido é possível, a priori, destacar que não há ação que não esteja movida por uma intencionalidade. O currículo da escola em tempo integral é inerente ao seu projeto, o qual deve avançar sobre as defesas eleitoreiras que se reduzem a políticas assistencialistas e compensatórias.


1  A HISTÓRIA E A POLÍTICA NA PERSPECTIVA DA (NÃO) INTEGRALIDADE




As políticas educacionais no Brasil, em geral as que foram definidas na década de 1980 e 1990, marcaram a história da educação brasileira com programas de extensão da jornada escolar. Na experiência brasileira, segundo Arco-Verde (2003, p.361), temos um esforço de “unir, pelo espaço da escola, ações de diferentes áreas de atendimento à criança, buscando, pela prevenção e intervenção direta a assistência à infância”. Ocorre que, ao passo em que tais políticas se converteram em ações que, muitas vezes, segundo Saviani (1987), acabaram se constituindo em políticas “pobres para os pobres”. Isto significa dizer que, em nome de retirar as crianças das ruas ou mesmo lhes oferecer, a partir da escola, um atendimento às suas necessidades básicas, o fazem em detrimento da escolarização necessária para sua formação humana. Destaca-se aqui uma
visão essencialmente assistencialista e compensatória, não somente sobre a educação em tempo integral, mas sobre a própria escola. A este respeito, Arco-Verde (2003) destaca que é importante não se confundir
escola em tempo integral com centros de tempo integral. Em alguma medida, alguns centros podem ser ilustrados através de experiências pontuais como os PROFICs em São Paulo, os CIEPs no Rio de Janeiro ou, mesmo em Curitiba, com os CEIs. O que se tem é a centralidade em obras arquitetônicas arrojadas em detrimento de uma proposta pedagógica que marque uma concepção de educação integral. Por outro lado, ao promover a extensão do tempo escolar, a ETI (Escola em Tempo Integral) possibilita o acesso a um conjunto de atividades que contribuem para que a aprendizagem ocorra de forma enriquecida, aprofundada, não se limitando e nem mesmo se consubstanciando em uma ação assistencialista e compensatória.
Com o objetivo de fundamentar estes questionamentos, destacam-se as reflexões de Paro (2009) acerca da luta que se faz para que as escolas em tempo integral, ou seja, da educação em tempo integral se constituam em uma educação integral. Esta reflexão nos permite questionar que tipo de educação queremos
estender: a que reproduz a exclusão, a minimização de políticas públicas, o assistencialismo, a violência, o enclausuramento? Será que queremos mesmo estender a educação que aí está ou precisaríamos fazer uma outra educação estendida?
A educação pode ser concebida como integral na medida em que, a partir da escola, o sujeito histórico ao mesmo tempo em que cria, se apropria do que foi criado por ele e pelo conjunto dos homens na sua condição histórica. Assim, ela não se constitui em treinamento - seja na perspectiva do trabalho mental ou físico. A educação integral é em si humanizadora. Isto pressupõe também oferecer possibilidades para que, a partir dela, o sujeito se aproprie da cultura, da arte, da história e do próprio conhecimento, tomado
este de forma diversificada, teoricizada, praticada, vivida e experienciada. Antes de se pensar em estender o tempo da escola, é preciso, portanto, situar que não somente a escola é de tempo integral, mas trata-se de uma educação integral. Recorrendo a Moraes (2009, p.21), tem–se que a “Educação integral forma
pessoas íntegras”. Integral significa inteiro, completo, total. Em latim, integrum significa íntegro, sincero, são, puro, não corrupto, sóbrio, sem senão.
As primeiras iniciativas de educação integral, segundo o autor, referem-se às bases societárias da década de 1820, representadas, dentre outros autores, por Robert Owen (1771 – 1858), Wilian Godwin (1723 – 1772) e Francisco Ferrer (1859 – 1901). Em Owen (Apud MORAES, 2009), podemos ver uma aproximação da educação com atividades manuais voltadas para a formação mais completa da criança, a partir da qual se pretendia uma relação intrínseca entre o trabalho e a educação. Pelas relações de trabalho se produzia um conhecimento necessário para o desenvolvimento da autonomia, como condição para a criação de uma sociedade igualitária, que expressasse a igualdade entre homem e mulher, bem como uma formação humana sem nenhum caráter de repressão. O trabalho era, então, concebido como parte fundamental do processo educativo, da formação individual e intelectual.
A base societária da educação integral influenciou o pensamento libertário no século XIX, expressada também pelos anarquistas Fourrier, Proudhon, Robin e Bakunin, os quais desconfiavam da educação oferecida aos filhos dos trabalhadores, tanto por parte do estado como da igreja. Era preciso, segundo Proudhon (Apud MORAES, 2009, p.26), dotar os operários com uma capacidade profissional completa que combinasse a formação intelectual e manual (numa interpretação atual, com atividades teóricas e
práticas). Uma vez apropriados do conhecimento de forma integral, os trabalhadores teriam condições de se libertarem do mando e da tutela a que estavam submetidos. Esta concepção se configura numa formação para a politecnia, o que corresponde a uma formação por inteiro, numa união indissolúvel entre arte, literatura, ciência, prática, teoria, trabalho e estudo. Portanto, a formação politécnica e a educação integral encontram na pedagogia do trabalho e na filosofia o seu maior fundamento. (CODELLO, apud MORAES, 2009, p.26).
Em suma, a concepção de educação integral, tomada em sua essência, é emancipadora, libertadora e humanizadora, na medida em que não separa o fazer do pensar ou mesmo a atividade física da intelectual.
No Brasil, a base política, social, econômica e pedagógica, embora não voltada para os mesmos fundamentos societários, encontra terreno no contexto da década de 1930, expressada no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Economicamente, a fase de 30 representa o “declínio das oligarquias cafeeiras” em decorrência das modificações na estrutura econômica. Segundo Ribeiro (1992), esta outra
configuração econômica e política é representada pelo crescimento significativo dos estabelecimentos industriais, pelo aumento do capital e, consequentemente, pelo aumento do trabalho operário. Ocorre que o espaço deixado pela produção agroexportadora demarca uma outra forma de organização econômica e social, criando um contingente de força de trabalho na base econômica industrial. Ou seja, uma outra forma
hegemônica se configura dando poder governamental aos militares, aos tecnocratas e aos empresários industriais. Diante do cenário político e econômico a educação aparece como necessidade para todos e como via para a verdadeira formação do homem brasileiro, assimilando aos poucos o modelo norteamericano de métodos ativos de construção do conhecimento. A Escola Nova expressou uma educação de novo tipo, que pudesse estar voltada para a formação de um sujeito ativo, que estivesse na centralidade do processo. O escolanovismo, representado pelos liberais ou profissionais da educação e expressado no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (1932), significou a renovação das bases
pedagógicas e a reformulação das políticas educacionais. Contraditoriamente, ao passo em que, em alguma medida, o Manifesto procurou adequar a formação do sujeito para a adaptação às demandas do setor industrial, trouxe para o Brasil princípios que fundamentaram uma concepção de escola pública baseada na gratuidade, na universalização e na laicização.
No interior do Manifesto, Anísio Teixeira defendia uma escola democrática, que deveria conter os males educacionais produzidos pela educação elitista do capitalismo; defendia a educação como instrumento de reconstrução nacional, de forma que sua oferta deveria ser pública, obrigatória e laica. Voltado para os métodos ativos de aprendizado e para idéia de colocar o aluno na centralidade do processo, Anísio defendeu uma escola em tempo integral.
Nesta época, Anísio Teixeira criou o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, denominado de Escola-Parque, no Bairro da Liberdade, em Salvador. O princípio da universalização do acesso, naquele momento, estava voltado para garantir algumas condições básicas para que a criança pudesse estar na escola, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização e preparação para o trabalho e cidadania.
Conforme Santos (2004): A escola primária, visando, acima de tudo, a formação de hábitos de trabalho, de convivência social, de reflexão intelectual, de gostos e de consciência, não pode limitar as suas atividades a menos que o dia completo. Devem e precisam ser de tempo integral para os alunos e servidas por professores de tempo integral. (p. 108). Assim sendo, Anísio (1959) também afirma que a escola de educação integral deve: (...) dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive (p. 79) (SANTOS, 2004).
É importante destacar que foi neste contraditório contexto que o Manifesto dos Pioneiros se dividiu entre promover o desenvolvimento econômico do país, via educação e, por outro lado, promover a emancipação do trabalhador, num meio privado das condições econômicas e sociais que pudessem incluir, efetivamente, o filho do trabalhador na escola. Este viés, embora tenha trazido consigo uma necessidade compensatória, naquele momento histórico, vislumbrou que se ampliasse o destino dos recursos públicos para a escola pública, com a intenção de ampliar o papel do estado na garantia do acesso à educação. Embora a educação em tempo integral nunca tenha saído dos debates nacionais, vale destacar que ao final de 2007, e ao longo do primeiro semestre de 2008, ela se propala nos discursos oficiais do MEC (Ministério da Educação e Cultura). Para tanto, foi realizado um amplo estudo, coordenado pela SECAD (Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade), por intermédio da Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania. Este debate reuniu representantes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE) e professores universitários. Tal estudo resultou em referências para a
fundamentação do Programa Mais Educação. A característica principal do Programa é a intersetorialidade da gestão pública na ampliação, não somente da jornada escolar, ou seja do tempo, como também do espaço escolar, na oferta das atividades de contraturno. Embora tenha, o Mais Educação, uma possibilidade de ampliar tempo e espaço de aprendizagem, através de atividades lúdicas, esportivas, pedagógicas, artísticas,
ambientais, entre outras, o objetivo central é o de diminuir as desigualdades educacionais.
Para tanto, o critério de adoção do Programa nas escolas públicas visa atender, em especial, Estudantes que estão em situações de risco, vulnerabilidade social e sem assistência; estudantes em defasagem série/idade; estudantes das séries finais da 1ª fase do ensino fundamental (4º / 5º anos), nas quais há uma maior evasão na transição para a 2ª fase; estudantes das séries finais da 2ª fase do ensino fundamental (8 e/ou 9 anos), nas quais há um alto índice de abandono; estudantes de séries onde são detectados índices de evasão e/ou repetência. (MEC, 2008)
Ainda que, propriamente, o Programa Mais Educação não se caracterize pela integração curricular, ele expressa, em âmbito federal, a tentativa mais elaborada de integrar vários setores, secretarias e ministérios em uma ação voltada para a ampliação da jornada e na oferta de atividades organizadas em macrocampos que vão para além do currículo escolar, tais como Acompanhamento Pedagógico, Meio Ambiente, Esporte e
Lazer, Diretos Humanos em Educação, Cultura e Artes, Cultura Digital, Promoção da Saúde, Educomunicação, Investigação no Campo das Ciências da Natureza e Educação Econômica.
Ocorre, contudo, que o Programa, ao pressupor atividades e oficinas em tempos e atendimentos próprios, não expressa em sua totalidade a integração com o currículo escolar. Em alguma medida, acaba se convertendo num projeto de contraturno que pode correr o risco de assumir um viés assistencialista pela demanda a que se destina atender e pela insuficiência na integração das atividades ao currículo escolar.
O que se tem é que muitas experiências em torno da Educação em Tempo Integral
(ETI) se expressam não somente na forma de concebê-la, seja numa dimensão mais ou
menos compensatória, assistencialista ou pedagógica, como, em especial, na forma de
gerir o próprio sistema e o currículo escolar. O que se tem é que a intenção de se levantar
uma bandeira em torno da defesa da educação em tempo integral não pode expressar
intenções políticas fragmentadas e descoladas de um projeto pedagógico mais amplo. É
neste sentido que, ao se discutir Tempo Integral, é necessário caminhar para adiante da
concepção assistencialista, que se reduz a tirar a criança e o jovem da rua e dos riscos
resultantes de um sistema político e econômico contraditório e meritocrático. É preciso
conceber a extensão do tempo e do espaço integrada ao currículo, à formação
profissional adequada, à política de contratação de profissionais e à própria gestão do
sistema.
Compreender a concepção de Educação em tempo integral, portanto, na
perspectiva da educação integral, pressupõe compreender a própria concepção de
currículo e a formação do sujeito de forma integral, então omnilateral2. O termo currículo,
do latim curriculum, significa pista de corrida, ou seja, caminho, trajetória a percorrer. Este
caminho expressa, sobretudo, um projeto pedagógico, o qual, por sua vez, revela um
projeto social. Isto significa dizer que o currículo não pode ser concebido como um rol de
disciplinas organizadas de forma linear no tempo já culturalmente definido em função de
horas-aula. Por outro lado, ele não pode ser tomado como se fosse um objeto per si. O
currículo não tem vida própria, ele não é a expressão dele mesmo. Ele revela, então, um
projeto de realidade, de mundo, de homem e de educação. Nele se manifesta a
concepção que se define a partir da intencionalidade histórica e social sobre a escola. O
currículo integrado, por sua vez, se caracteriza exatamente pela integração de todas as
2 Para Marx e Gramsci, a omnilateralidade não é o desenvolvimento de potencialidades humanas inatas.
É a criação dessas potencialidades pelo próprio homem, na prática social, no “Mundo do Trabalho”. Nessa
perspectiva, a educação está vinculada à produção social total, bem como a todas as dimensões da
existência e da ação humanas. [...] o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao
mesmo tempo de gozo (desfrute, fruição), em que se deve considerar sobretudo o usufruir os bens
espirituais, além dos materiais de que o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do
trabalho. (MANACORDA, apud GADOTTI, 1984)
atividades oferecidas para a série, etapa, fase ou nível, de forma a não segmentá-las ou
desarticulá-las entre si. Não se trata, portanto, de oferecer um tempo de disciplinas
acadêmicas ou formais e outro de oficinas e atividades lúdicas, que geralmente se
consubstanciam em trabalhos manuais e artísticos.
Destaca-se, por sua vez, que as experiências em torno dos centros de educação
integral, tais como os CEIs, PROFICs ou CIEPs, foram insuficientes para representar uma
concepção política e pedagógica sobre a escola integral. Em grande medida expressaram
políticas governamentais manifestas na secundarização do papel do estado sobre a
definição das políticas e dos recursos públicos necessários para equipar a escola de
condições estruturais para o atendimento desta demanda.
Estas análises foram também evidenciadas por Arco-Verde (2003) em seu trabalho
de doutoramento, a qual destaca que, na ausência de políticas adequadas surgem
medidas paliativas como trabalhos de parcerias com empresas privadas, terceirização de
serviços de profissionais contratados para atividades pontuais e desarticuladas do
currículo, mobilização comunitária ou incentivo de trabalhos ao voluntariado. Nem sempre
medidas que apresentam êxito, especialmente porque estas propostas sofrem do mal da
descontinuidade.
Assim sendo, temos que a secundarização do papel do estado, historicamente, se
expressou numa política de privatização, terceirização e filantropia, que permitiu que a
escola fosse tomada por projetos das iniciativas privadas. A escola foi incentivada a
aplicar um conjunto de projetos propostos por empresas, bancos ou mercados, que em
nada responderiam às necessidades dos filhos dos trabalhadores, conforme imaginou
Anísio Teixeira na defesa pela democratização da escola pública.
Em pesquisa realizada no município de Curitiba acerca da análise dos Centros de
Educação Integral, Arco-Verde (2003) constata que “na falta de recursos de capacitação
e de um projeto pedagógico indicado pela SME – Secretaria Municipal de Educação -
cada escola passou a buscar parcerias para garantir a manutenção de atividades.” Em
sua análise destaca que esta situação acompanha um novo movimento da política
neoliberal, no qual empresas, instituições e organismos governamentais, ou não,
apresentam seus projetos para serem desenvolvidos na escola, com diferentes formas e
propostas pedagógicas, quando existentes, bem como a participação de pessoas leigas
para ações voluntárias de diferentes atividades para as crianças na escola. Vale ressaltar
que esta situação precisa ser revertida num processo de reflexão crítica e madura da
escola, que passou a simplesmente aceitar e incorporar as propostas de atividades de
terceiros, sem um aprofundamento teórico sobre os fins a que se destinam e dos
interesses dos parceiros envolvidos no projetos. A falta de recursos e de profissionais nas
escolas empurra a instituição aos riscos de aceitar meios que são justificados pelos fins.
(ARCO-VERDE, 2003)
Para tanto, no limite do que for possível, a escola integral, em tempo integral - a
que concebe o aluno integral em tempo integral - historicamente, deve pressupor
políticas que prevejam não somente as condições estruturais para ampliação do tempo
em função do projeto pedagógico, mas, sobretudo, a profissionalização. Neste sentido, a
proposta da escola não pode ficar à mercê dos que prestam serviços voluntários, do
espontaneísmo, da desprofissionalização. Deve estar circunstanciada pelos objetivos
pedagógicos que integrem todas as atividades curriculares, e isto significa profissionais da
educação que participem do planejamento das atividades e, de forma mais ampla, na
elaboração do projeto pedagógico da escola.

2 - O CURRÍCULO E A CONCEPÇÃO NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE

Ainda que as experiências com a escola integral situem-se nas contradições entre
os vieses essencialmente pedagógico e assistencialista, hoje, uma vez entendido o papel
do estado no provimento das políticas, à escola fica assegurado seu compromisso com o
conhecimento que permita produzir, criar, aprender e vivenciar.
Ocorre que essa formação, posta na relação educação e trabalho pode ser, de fato,
insuficiente em quatro horas de aula. Isto implica em dizer que a educação em si deve ser
integral, mas a extensão do tempo lhe possibilita uma forma mais articulada, ou melhor
integrada, haja vista a concepção de currículo em que se defende a relação tempoespaço,
produção-fruição, conhecimento-trabalho, prática–teoria, pensar–fazer e corpomente.
Almeja-se, conforme Paro (2009), “uma escola à qual se vai pretensamente para
aprender matemática, geografia, ciências, mas também para aprender a dançar, brincar,
cantar, amar, discutir política e ser companheiro”. (PARO, 2009, p. 19)
Assim, a concepção de educação integral em tempo integral não pode se
consubstanciar em contraturno. É um mesmo aluno que está na escola oito ou nove
horas por dia. Este processo não pode se dividir em dois períodos – período da base
comum ou das disciplinas acadêmicas e o período das oficinas - que facilmente podem
ser distinguidos por serem ou não agradáveis.
Portanto, é importante destacar que antes do tempo ser estendido, o aluno é
integral. Ele deve estar essencialmente envolvido em atividades absolutamente
integradas ao currículo, que lhe permita a formação humana plena, ou seja, numa
dimensão “omnilateral”.
A integralidade é tomada aqui como possibilidade de desenvolvimento dos
aspectos afetivo, cognitivo, físico e social, sem hierarquias. Não existe, neste sentido,
uma relação de maior ou menor importância sobre as atividades que se propõem e dos
conhecimentos que se ensinam. A extensão do tempo escolar diário permite que se
vislumbre o reconhecimento da pessoa como um todo - e não como um ser fragmentado
entre corpo e intelecto - em atividades que envolvam a multiplicidade de aspectos para
benefício do desenvolvimento - tempo para adquirir hábitos, valores, conhecimentos.
Neste sentido, há dois destaques ainda a serem feitos: o papel do projeto da escola
e o papel da comunidade escolar.
O projeto pedagógico da escola não pode ser construído para a comunidade e sim
com o coletivo escolar, para o qual a concepção de educação reafirma as necessidades
históricas do filho do trabalhador, qual seja: o acesso ao conhecimento universal,
sistematizado e produzido pelo coletivo da e para a humanidade. A extensão do tempo
escolar diário deve estar voltado para esta concepção, na medida em que vislumbre o
reconhecimento da pessoa como um todo e não como um ser fragmentado entre corpo e
intelecto. Deste modo, a integralidade deve pressupor o desenvolvimento de todos os
aspectos da condição humana.
Isto significa, sobretudo, que a escola em tempo integral pressupõe professor em
tempo integral, através do qual o aluno não seja o único elo integrador dos docentes. É o
trabalho coletivo, e não somente a prática do professor e as expectativas do aluno, que
define a proposta pedagógica, a organização interna, a distribuição do tempo, o uso do
espaço e a prática pedagógica. Portanto, é o projeto pedagógico que define as atividades
que serão oferecidas e não a identidade do professor, ou seja, não é o professor que
escolhe as atividades definidas na extensão curricular e na ampliação da jornada, mas a
proposta pedagógica.
No que se refere à gestão, destaca-se a importância de que todos os envolvidos no
processo educativo (profissionais da educação, alunos e pais) entendam a concepção e a
defendam, no sentido da clareza de que a escola não objetivará tirar os filhos das ruas
com atividades de entretenimento. É preciso salientar que tirar a criança da rua pode ser
uma conseqüência, mas não um objetivo, o que poderia redundar numa proposta de
enclausuramento.
Portanto, currículo na perspetiva da integração das atividades, do tempo, dos
objetivos, do espaço, deve estar em consonância com um projeto pedagógico, não
secundarizado por prédios arquitetônicos, mas voltado para as expectativas de todo o
coletivo e comunidade escolar. Ou seja, antes de se definir, no âmbito das políticas,
critérios de implementação da proposta, é necessário estar em consonância com a
comunidade. Não se concebe a integração curricular desarticulada com a integração da
própria gestão escolar.
Ademais, o atendimento em tempos e espaços ampliados traduz uma outra cultura
em relação à oferta da educação. Cultura esta que será construída e terá como referência
não somente o tempo cronológico ampliado na relação com o conhecimento, mas o
tempo de aprender mais em mais tempo - objetivo precípuo da educação integral na
escola em tempo integral.
Não há proposta pedagógica nem atitude didática que sustentem a inércia de paredes e de móveis. É
preciso garantir da mesma forma a alimentação, a higiene, a saúde, o descanso, o ócio. Nenhum
fundamento educacional também vai indicar que a extensão do tempo de um só turno para o período
integral, sob o prisma de seguir a mesma proposta pedagógica da escola, irá garantir um melhor
aproveitamento”. (ARCO-VERDE, 2003) [...]
Assim sendo, ainda conforme Arco-Verde, o tempo escolar não pode ser o tempo
cronológico e o tempo físico não pode ser mitificado ou definido pela tradição escolar.
Este tempo está subordinado a uma proposta pedagógica que pressupõe um currículo
integrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


A respeito dos questionamentos destacados no início deste texto, ainda que de
forma não linear, objetivou-se fundamentar e trazer algumas reflexões em torno de uma
concepção de educação que não dissociasse o fazer do pensar, a prática do estudo, a
arte da ciência, o corpo da mente e o trabalho da educação. Contudo, esta relação
trabalho - educação não se consubstancia numa relação mercadológica e utilitarista,
pelas quais se expressam as relações no capitalismo contemporâneo. Pelo contrário, ao
se entender que pelo trabalho o homem historicamente se humanizou, uma vez que não
separou o ato de produzir de sua fruição: pelo trabalho ele cria, se apropria do que cria e
se emancipa. Este ato de criação, de produção, de fruição se espraia na escola visando a
formação do sujeito de forma integral, ou seja: íntegro, pleno, inteiro. Esta é a concepção
de educação integral que, para se tornar essencialmente efetiva, deve pressupor a
extensão da carga horária e a integração curricular. Isto significa dizer que a ETI deve, ao
longo de seu processo de implementação e planejamento, ter como propósito uma
formação integral, na perspectiva de um currículo integrado.
As experiências, os estudos e as proposições até agora conhecidas apontaram
para a necessidade de se reconhecerem as insuficiências e limitações, tanto conceituais
quanto operacionais que permearam historicamente a implementação da ETI.
É na intenção que se precisa fazer este reconhecimento, uma vez que esta
educação não pode ser tomada como ação paliativa e pontual, como uma ação
compensatória e assistencialista, mas consolidada e legitimizada como política pública de
direito.
Entende-se e defende-se que todas as propostas sejam construídas aos poucos,
com as condições concretas possíveis, avançando calmamente para uma concepção
mais elaborada de integralidade. É importante começar. Ainda que sem todas as
condições dadas já no ponto de partida, é preciso que se tenha em mente para onde
caminhar, que concepção se almeja, o que se deseja ou não e, a partir daí, definir
políticas que possam ir ao encontro destas intenções.
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